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Mas eu não sei desenhar...

Foto do escritor: Isa CicaliseIsa Cicalise

“Eu não sei desenhar” é uma das frases mais ouvidas quando falamos em arteterapia, como se ela fizesse parte do imaginário “arte”. Por que será que tantos de nós quando ouvem a palavra “arte” encontram internamente esta máxima? Que dor é essa que carregamos? O mundo está dividido entre quem desenha e quem não desenha?

A criatividade foi dada apenas para parte da população?


Para quem tem essa ideia, respondo: sim, você sabe desenhar. Vamos voltar para a pré-história… já no período paleolítico, ou seja, há mais de 10.000 anos atrás, encontramos registros de desenhos nas cavernas. Desenhar é deixar uma marca e isso é natural do ser humano. Registrar-se, marcar sua existência, contar a sua história são ideias que podemos relacionar com o desenho. Podemos pensar o desenho como uma das primeiras formas de comunicação, uma forma de expressão pré-verbal, que possivelmente deu origem à possibilidade da linguagem verbal.


Nessa linha de raciocínio, podemos imaginá-lo como uma forma de organização de sentimentos e sensações. Algo sempre está sendo dito, expresso, revelado, como uma extensão do ser.

Uma forma de manifestar um acontecimento interior. Quando pensamos nessas expressões tão primitivas, podemos nos indagar qual era a necessidade de expressão daqueles povos? Como que alguém teve essa ideia? Por que não apenas vivemos, mas necessitamos representar algo desse viver?


Que necessidade é essa que nos visita desde tempos primordiais?


Expressar-se parece ser fundamental para nossa existência. Somos seres sociais, seres que se comunicam. Nosso mundo interno pulsa por exteriorizar-se. Isso nos conta não só nossa história enquanto espécie, mas individualmente, em cada ser. A filogenética novamente encontrando-se com a ontogenética. É natural para a criança desenhar, mesmo quando o nosso olhar adulto percebe apenas rabiscos, para ela aquilo já é representação. Ela dá vida para qualquer rabisco e aos poucos, conforme adquire a linguagem oral, comunica o que está representado ali. Não tem medo do que cria. Não tem vergonha. Não tem o desejo de que aquilo fosse diferente. Os passos de seu desenvolvimento são respeitados e assim, ela vê valor em si mesma. Ela vê valor no que põe para fora.


Em determinado momento, o que sai de nossas mãos vai deixando de ser valorizado. A criança vai sendo tolhida, comparada e de repente, não sabe mais desenhar. Não quer, não tem vontade, os bonecos tornam-se palitos e a expressão gráfica se finda. Não sabemos mais desenhar porque alguém sabe. Vai surgindo aquele/a colega que desenha com mais precisão, com mais detalhes, de maneira mais realista e se esse outro passa a ser quem sabe.


Quando entrego o saber ao outro, a mim só cabe o não saber. Esse julgamento estético mata então a livre expressão. Além de ser uma ideia, literalmente, do século passado, a arte como representação perfeita de algo, ela separa o talentoso, o artista, o criativo e nos rouba algo que é inerente a todo ser humano.


Claro que esse é um processo que não comete a todos, mas é bastante comum em nossa sociedade. Transformar toda essa dinâmica não é tão simples e não cabe no espaço de um texto, o que eu venho propor aqui é que transformemos aquilo que nos é possível:

O nosso julgamento interno. O que restou disso dentro de cada um de nós.


Valorizar aquilo que criamos, valorizar nosso interior é tarefa intransferível.

Circulos e triângulos coloridos
É lindo o que vem de dentro

Apenas você pode transformar seu olhar sobre o que cria, considerar digno o que vem de dentro. Claro que temos diversos caminhos e pessoas para nos auxiliar, mas a permissão para que qualquer processo se inicie só pode vir de dentro.


Permitir o que mora em ti ser expresso é fundamental para sua saúde psíquica, bem estar e alegria.


Isso começa aos pouquinhos, com algum material, às vezes no cantinho da folha. De maneira inocente, despretensiosa.. Aos poucos, podemos transformar esse olhar julgador para nossos sentimentos e sensações. Permitir que seja apen


as como é, com o desenvolvimento que foi possível e a partir dali ter um novo olhar sobre quem somos. Soltar a nossa criança interior, dar um abraço de amor próprio. Então, te digo: não tem nada que você não saiba para fazer arteterapia, você só precisa ser. Você também não precisa desenhar se isso não te faz bem agora, existe uma série de outros caminhos e materiais.




Mas não esqueça, desenho é sobre marca e só com pontos e linhas, te garanto, você é capaz de criar um monte de coisa!


Arteterapia é um espaço de acolhimento para que essa expressão que ficou guardada possa vir em um espaço amoroso, com o respaldo que talvez tenha faltado lá atrás.

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